“No ofício da verdade é proibido pôr algemas nas palavras.”
Carlos Cardoso, 1985
Carlos Cardoso, jornalista moçambicano, assassinado a 22 de Novembro de 2000. Um idealista, cuja própria vida se confunde com a história da independência de Moçambique. Um país que amou e defendeu até ao fim. Foi a sua força, a sua independência, a sua convicção, a sua “rebeldia” mal compreendida por muitos, a sua honestidade, que conduziram, naquela tarde fatídica, um Citi Golf vermelho para silenciar uma voz impar contra a corrupção em Moçambique.
“Logo que a notícia se espalhou, desencadeou uma onde de choque e repulsa por toda a sociedade moçambicana. A voz do primeiro-ministro, Pascoal Mocumbi, estava embargada pela emoção quando, à noite, falou na televisão a condenar o assassínio. Colegas que o visitaram na morgue sucumbiram às lágrimas diante do corpo crivado de balas.
Nessa noite, o local do crime transformou-se numa capela improvisada. O Toyota do Metical (jornal dirigido por Carlos Cardoso na altura) tinha parado ao lado do cepo de uma árvore no passeio. Foi aí que começaram a ser postas velas e mensagens. Durante os dias a seguir, as flores empilhavam-se e mais mensagens de dor e indignação eram afixadas na parede próxima.
(…)
Durante mais de um quarto de século, numa vida de trabalho que coincidiu com a vida de Moçambique como nação independente, Cardoso deu corpo ao que houve de melhor no jornalismo moçambicano, a tudo o que era honesto, inquisitivo e combativo. Foi admirado, respeitado e amado, mesmo por alguns que foram sujeitos às críticas acutilantes no seu jornal.
(…)
Dirigindo-se aos presentes, o presidente Joaquim Chissano disse: «Costumávamos discutir com Cardoso. Discutíamos com ele porque levantava questões pertinentes que pediam a atenção de todos nós. Ele forçava-nos a pensar. Hoje, que ele não está mais entre nós, não temos com quem discutir. Quem vai levantar questões com a força que o caracterizava?»
Ao fazer o principal elogio fúnebre, o mais conhecido escritor deste país, Mia Couto, declarou: «Não estamos chorando apenas a morte de um homem. Não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um jornalista moçambicano… morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós.»
Quem foi este homem, capaz de inspirar uma tal torrente de pesar? Como é que um jornalista, apenas com 49 anos, quando as balas assassinas o silenciaram, veio a simbolizar tudo o que havia de mais generoso, nobre e utópico na revolução moçambicana?”
Este é apenas um pequeno excerto do livro É proibido pôr algemas nas palavras, da autoria de Paul Fauvet e Marcelo Mosse, dois dos seus colegas. Trata-se de um biografia de Carlos Cardoso, onde ficamos a compreender este homem que foi silenciado. Ele talvez, mas não as suas palavras, nem tudo quanto ele simboliza.
“Há 200 anos, o poeta revolucionário inglês William Blake escreveu: «Profetas na moderna acepção da palavra, nunca existiram (…). Cada homem honesto é um profeta: ele exprime o que pensa, tanto sobre assuntos públicos como privados. Portanto, se vias assim, o resultado é Assim. Ele nunca diz: disto vai acontecer, portanto faz o que quiseres.»
Neste sentido, Carlos Cardoso era o profeta da revolução moçambicana. A sua voz era a voz da indignação honesta e as suas profecias eram, muitas vezes, certíssimas. Os profetas são pessoas que inquietam os outros. Por isso, são propensos a que lhes chamem nomes. Quantas vezes, amigos impacientes, tal como os inimigos, chamaram «louco» a Cardoso! Mas quando os profetas se vão, a sua perda é sempre sentidamente chorada."
“Logo que a notícia se espalhou, desencadeou uma onde de choque e repulsa por toda a sociedade moçambicana. A voz do primeiro-ministro, Pascoal Mocumbi, estava embargada pela emoção quando, à noite, falou na televisão a condenar o assassínio. Colegas que o visitaram na morgue sucumbiram às lágrimas diante do corpo crivado de balas.
Nessa noite, o local do crime transformou-se numa capela improvisada. O Toyota do Metical (jornal dirigido por Carlos Cardoso na altura) tinha parado ao lado do cepo de uma árvore no passeio. Foi aí que começaram a ser postas velas e mensagens. Durante os dias a seguir, as flores empilhavam-se e mais mensagens de dor e indignação eram afixadas na parede próxima.
(…)
Durante mais de um quarto de século, numa vida de trabalho que coincidiu com a vida de Moçambique como nação independente, Cardoso deu corpo ao que houve de melhor no jornalismo moçambicano, a tudo o que era honesto, inquisitivo e combativo. Foi admirado, respeitado e amado, mesmo por alguns que foram sujeitos às críticas acutilantes no seu jornal.
(…)
Dirigindo-se aos presentes, o presidente Joaquim Chissano disse: «Costumávamos discutir com Cardoso. Discutíamos com ele porque levantava questões pertinentes que pediam a atenção de todos nós. Ele forçava-nos a pensar. Hoje, que ele não está mais entre nós, não temos com quem discutir. Quem vai levantar questões com a força que o caracterizava?»
Ao fazer o principal elogio fúnebre, o mais conhecido escritor deste país, Mia Couto, declarou: «Não estamos chorando apenas a morte de um homem. Não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um jornalista moçambicano… morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós.»
Quem foi este homem, capaz de inspirar uma tal torrente de pesar? Como é que um jornalista, apenas com 49 anos, quando as balas assassinas o silenciaram, veio a simbolizar tudo o que havia de mais generoso, nobre e utópico na revolução moçambicana?”
Este é apenas um pequeno excerto do livro É proibido pôr algemas nas palavras, da autoria de Paul Fauvet e Marcelo Mosse, dois dos seus colegas. Trata-se de um biografia de Carlos Cardoso, onde ficamos a compreender este homem que foi silenciado. Ele talvez, mas não as suas palavras, nem tudo quanto ele simboliza.
“Há 200 anos, o poeta revolucionário inglês William Blake escreveu: «Profetas na moderna acepção da palavra, nunca existiram (…). Cada homem honesto é um profeta: ele exprime o que pensa, tanto sobre assuntos públicos como privados. Portanto, se vias assim, o resultado é Assim. Ele nunca diz: disto vai acontecer, portanto faz o que quiseres.»
Neste sentido, Carlos Cardoso era o profeta da revolução moçambicana. A sua voz era a voz da indignação honesta e as suas profecias eram, muitas vezes, certíssimas. Os profetas são pessoas que inquietam os outros. Por isso, são propensos a que lhes chamem nomes. Quantas vezes, amigos impacientes, tal como os inimigos, chamaram «louco» a Cardoso! Mas quando os profetas se vão, a sua perda é sempre sentidamente chorada."
A resolução do caso do seu assassinato continua sem luz ao fundo do túnel. A verdade continua escondida, apenas ao alcance de poucos. Uma verdade escondida sobre uma névoa espessa. Pode ser que um dia a verdade seja desvendada.
“«O desaparecimento de Cardoso foi um alívio para algumas pessoas e não estou a falar dos assassinos», observou Teodato Hunguana. «Refiro-me a outros, que não têm as mãos sujas de sangue, mas para quem a sua objectividade, coragem e independência eram inconvenientes. Mas para o país e para a imprensa, a sua morte é uma perda dolorosa.»
Podem ter desaparecido com o homem, mas não desapareceram com o seu espírito, com a sua presença, embora não física. Por isso mesmo, mais forte cada vez que Carlos Cardoso é recordado.
“Algumas vezes, Cardoso contava a amigos e familiares mais próximos que acreditava na reincarnação. É difícil para o seu biógrafo saber até que ponto esta crença era forte (…). Mas há algo de muito fascinante na ideia do espírito de Cardoso pairando sobre esta cidade, olhando para nós, que estamos a escrever cá em baixo.
Aquilo que os jornalistas de hoje escrevem tornará verdadeira – ou ridícula – a frase pintada em letras gigantes no local onde os assassinos o fizeram cair: «Cardoso Vive!».”
Assim seja…
Excertos retirados do livro “É proibido pôr algemas nas palavras”, de Paul Fauvet e Marcelo Mosse, Colecção Estudos Africanos, da Caminho.
Espero ter despertado a vossa curiosidade para a vida e obra de um homem que marcou a história de um país. Este é um livro que recomendo. Espero que gostem.