O maior bem
Esse querer-te bem sem me quereres,
Este sofrer por ti constantemente,
Andar atrás de ti sem tu me veres
Faria piedade a toda a gente.
Mesmo a beijar-me, a tua boca mente…
Quantos sangrentos beijos de mulheres
Pousa na minha a tua boca ardente,
E quanto engano nos seus vão dizeres!...
Mas quem me importa a mim que me não queiras,
Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mísero pungir, árduo e profundo,
Do teu frio desamor, dos teus desdéns,
É, na vida, o mais alto dos meus bens?
É tudo quanto eu tenho neste mundo?
In: Charneca em Flor (1930)
BIOGRAFIA
Florbela de Alma da Conceição Lobo Espanca nasceu a 8 de Dezembro de 1894, em Vila Viçosa, Alto do Alentejo. Como era filha ilegítima, cresceu na charneca alentejana.
Florbela ou Bela, como era chamada carinhosamente pela sua família, era filha de Antónia da Conceição Lobo e de João Maria Espanca. O pai era casado com Maria Toscano. Mas como essa união não lhe gerou nenhum filho, João Maria manteve um relacionamento ilícito com Antónia. Dessa relação nasceram dois filhos: Florbela e Apeles. A mãe de Florbela logo desiste deste relacionamento e troca João Maria por um outro homem, com quem vai viver para Évora. Os dois filhos do casal passam a ser criados pelo pai e pela sua mulher, Maria Toscano.
Florbela, quando atinge a idade escolar, passa a frequentar o colégio Dona Ana Locádia, em Vila Viçosa. Ao concluir o primeiro ciclo de ensino é transferida para a escola secundária do professor Romeu, onde permaneceu até o ano de 1907, quando conclui o 3º ano. Os seus primeiros versos datam dessa época. Junto com toda a família vai para Évora e ingressa no Liceu André de Gouveia, onde permanece até 1912. A sua permanência nesse estabelecimento não é bem vista, sobretudo pelos professores, pois nessa época ainda havia muito preconceito em relação ao acesso da mulher a estabelecimentos de ensino secundário.
No dia em que completa 19 anos (8 de Dezembro), Florbela casa-se com Alberto Moutinho. Em 1919, após o fracasso desse casamento, matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Nesse mesmo ano publica o livro de poesias "Livro de Mágoas", que passa despercebido pela critica e pelo público.
No ano de 1923, publica o livro "Soror de Saudade", que também passa desapercebido. Em 1925, depois do fracasso do segundo casamento com António Guimarães, Florbela casa-se, com Mário Lage. Outro fracasso. Florbela então tem uma relação com o médico e pianista Luís Maria Cabral, que não termina em casamento.
No meio desse torvelinho de paixões, destaca-se a figura de seu irmão Apeles, que morreu a 6 de Junho de 1927. Tudo indica que devido à morte de uma namorada. Ele era piloto e mergulhou com sua aeronave nas águas do Tejo. A partir daí, Florbela jamais voltou a ser como antes. Por isso, temos a sensação de que o grande amor da sua vida era o irmão.
Numa carta escrita ao pai, a poetisa diz:
"Não me sinto nada bem e estou magríssima... Estou uma velha cheia de cabelos brancos e sem vontade para nada".
Em Agosto de 1928, Florbela Espanca tenta suicidar-se. Em Novembro de 1930, tenta o suicídio pela segunda vez. Finalmente, em 8 de Dezembro desse mesmo ano, é encontrada morta em sua casa em Matosinhos. No seu quarto, debaixo do colchão, são encontrados dois frascos de Veronal, uma droga com poder hipnótico de acção prolongada, que a poetisa tomava para conseguir dormir.
Como pode perceber-se, 8 de Dezembro marca três coincidências curiosas na vida de Florbela:8 de Dezembro de 1894, data de nascimento;
8 de Dezembro de 1914, data do seu primeiro casamento;
8 de Dezembro de 1930, data da sua morte.
Só depois da sua morte é que a poetisa viria a ser conhecida pelo grande público. Para isso contribuiu a publicação de "Charneca em Flor" (1930), pelo professor italiano Guido Batelli.
In: Mundo Cultural
Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…
Ser Poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro é de cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
In: Charneca em Flor (1930)
1 comentário:
Ora aqui está um blog que valerá a pena visitar dado o conteudo cultural que encerra.
Gostei muitissimo e vou colocar este blog nos meus favoritos.
Muitos parabéns
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